26 fevereiro, 2022

Levantar voo

 O ruído dos motores aumenta à medida que avança na pista. Ganha força e arranca em direção ao infinito. Liberta-nos da terra. Das amarras da rotina. Troca-nos a realidade por fantasia. E de cima, vemos o mundo ficar cada vez mais distante , ridiculamente reduzido, até que o perdemos de vista. Há algo de inebriante no momento de descolar. Como se a alma se separasse do corpo, flutuasse, leve, e a deixássemos ir, ávida do desconhecido. Sempre foi mais fácil para mim partir do que chegar.

Detenho-me, frequentemente, nos tons laranja e rosa de um por do sol. Acalmam-me da desorganização da vida. Para muitos é o fim do dia, um ponto de chegada. Para mim é um ponto de partida. Onde encontro, numa espécie de paz, a segurança de me encontrar numa existência tão breve quanto possível. Até que o conforto da minha cama me chama, atrai-me para o passar de mais uma noite, repetitiva. Prende-me à roldana que alimenta os impiedosos ponteiros do relógio. Para acordar novamente. Sair para o abismo diário do silêncio entre os corpos, gentes frente a frente, a distantes centímetros de letargia. Somos cada vez mais desconhecidos. 

Fazer da vida um paraíso, sempre foi a minha maior utopia. O mito da felicidade que não existe. Agarro-me impotente a visões fragmentárias de momentos felizes. Os rostos, as vozes e os risos que nos preenchem o vazio. Assusta-me a morte de quem amo, a eterna ausência, a verdadeira nudez que é a perda de sentido para tudo.

É de noite e olho pela janela o céu escuro, estrelado, e procuro nele as respostas interditas. Nesse estado de paralisia temo perder-me de mim mesma num lugar desconhecido. Onde questiono se serei um outro eu, se essa será uma não vida. É nesse momento angustiante que anseio levantar voo. Trocar a realidade pela fantasia.


08 fevereiro, 2021

Distrair-me da vida

Precisava distrair-me da vida. 
Existem dias assim, onde nos assola uma angústia de fuga. 
Pomos o pé de fora, a cabeça, tudo o que conseguimos. 
Mas hoje precisava mesmo distrair-me dela, completamente. 
Por uns dias, talvez semanas, não sei ao certo de quanto tempo preciso. 
Desligar o botão das horas, a asfixia do momento. Ficar quieta, transparente, distante, num qualquer lugar invisível. Não sentir os cheiros, os sabores, as memórias, vedar aos meus olhos a realidade clandestina. E largar-me nessa bolha anestesiante, a pairar num destino ausente, intangível.

30 janeiro, 2021

somos felizes


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Somos felizes quando amamos.

Digo para mim que é puro egoísmo. 

Queremos tanto ser felizes, que amamos. 

Loucamente. Sem freios, medos ou atilhos. 

Esculpimos a matéria-prima, moldamos ao nosso desejo e fantasia.

E ignoramos o que nos incomoda, varremos para baixo da cama 

ou fechamos em gavetas escondidas.

Porque a cegueira é o estado natural de quem ama, 

por vezes um perfeito desconhecido.

 

28 janeiro, 2021

Intenso

Intenso, 
se fosse uma palavra seria Intenso.
A inesperada aparição do corpo, da voz, do sorriso. 
O susto da súbita atração. O milagre do fascínio.
A visão sonhada do encaixe perfeito, o corpo leve despido de euforia.
Até o caminhar, os gestos, o olhar penetrante, 
as conversas viciantes que alimentam o dia.
A ansiedade na espera, que sempre demora,
a explosão do toque, quando chega, acelerando o batimento cardiaco.
Risos contangiantes, braços e pernas perdidos.
E naquela bolha, nada mais é importante, 
do que a liberdade de saborear a fantasia.
Intenso.
A palavra seria Intenso.
O melhor sonho da minha vida.  



25 janeiro, 2021

Quando se volta a escrever

 Quando se volta a escrever, há qualquer coisa de estranho. 

As palavras atropelam-se sem explicação e as frases parece não fazerem sentido. Mas quero muito voltar, expurgar aqui, neste meu canto, as emoções, os choros e os risos. 

Foram alguns anos de luta, para não escrever. Porque a escrita tanto nos preenche a alma como nos sacode o corpo e o atira ao chão. Por vezes torna-se um carrasco invisível. E eu recuei a medo, confesso. Medo das palavras escritas. Contruídas em frases que nos abana o caminho. É tão mais fácil seguir sem pensar, não trazer agarrado ao corpo todas as ervas daninhas. E a escrita revela os nossos espinhos, deixa por vezes em carne viva todas feridas.

Ainda assim, quero voltar a escrever. Escrever é também viver outras vidas, é ir a qualquer lugar, é sentir o que nem sempre nos é permitido. É sair de nós e sermos muitos, gigantes, invencíveis. 

Voltei ao curso de escrita criativa :) já é um avanço!! Espero vir aqui um bocadinho sempre que possível.





08 agosto, 2019

com quem Sonhamos

Todos temos sempre alguém que sonhamos,
alguém que nos habita o corpo no mais íntimo desejo,
nos conforta a alma, perdida em letargia.

Temos alguém que é luz, que é chama, é fogo.
É sorriso na escuridão do túnel perdido do dia.
Alguém que nos sacode da inércia do tempo,
nos arranca voraz da lentidão da vida.

E por ela rasgamos verdades, arrancamos certezas dos impossíveis.
Vibramos por fora e por dentro, transpiramos adrenalina.
Construímos as ilusões que habitamos, felizes, com ela.
Porque é assim que a sonhamos.
Todos os dias.






28 junho, 2017

da minha vida


é assim que chega o homem da minha vida
de rosto rasgado por um sorriso gigante, os braços compridos a balançar como um pêndulo mágico
pega o meu corpo letárgico e injecta-lhe o licor da vida
assim num sopro de cor e o aroma aveludado com que pergunta "para onde?"
a resposta tarda, não interessa para nada.
é assim o homem da minha vida. 
pega na minha mão e dança, como uma criança, como naquela festa a que nunca iremos juntos. dança e canta palavras sem sentido, e arranca perdida no fundo, uma gargalhada, presa entre o sonho e o sorriso. 
nos olhares que vagueiam partilhados, são agora os lábios que se raspam sedentos, tristes, saboreando sem pressa a ilusão do passado. Queimam.
"Olha!" diz-me num click rápido que carimba o tempo, e eterniza o lugar e os rostos que amam. imprime o inesquecível.
no peito o líquido ainda derrama, transborda o todo que ele ocupa. e sorrio-lhe, e suspiro o desejo que me inflige.
aceno um adeus moribundo, como se erguesse uma ponte entre a distância  dos nossos dias. enquanto o seu corpo desvanece numa miragem repetitiva. mais um vez, desaparece.
e é assim que parte o homem da minha vida.